Considerando a dificuldade que muitas pessoas tem em comprar químicos e preparar em casa, resolvi criar um kit para tornar mais fácil a experimentação da cianotipia.
O cianotipo é o mais simples, possivelmente o menos tóxico e um dos mais lindos processos fotográficos na minha opinião.
Acredito que, uma vez superado o estranhamento da fotografia azul, essa limitação tonal pode ser na verdade uma grande ferramenta para o desenvolvimento de um trabalho autoral.
São basicamente 2 químicos que combinados formam a solução fotossensível: o ferricianeto de potássio e o citrato férrico amoniacal.
E, caso você queira preparar o seu próprio kit, são diversas receitas e a que eu uso é a do livro do Christopher James “The Book of Alternative Processes”:
PARTE A
400 ml água destilada
100 g citrato férrico amoniacal
completar até 500 ml com água destilada
PARTE B
400 ml água destilada
40 g ferricianeto de potássio
completar até 500 ml com água destilada
Como fazer um cianótipo
A minha primeira dica serve para qualquer processo fotográfico alternativo: prepare-se para “perder” tempo e material. Seja qual for a sua idéia inicial prepare-se para ser surpreendido pelo acaso. Vai dar “errado” mas também com certeza vai dar certo, e é importante estar atento para os erros porque eles podem mostrar novos caminhos ou perspectivas bem interessantes.
Materiais
– pincel ou trincha
– papel (ver mais abaixo outros suportes)
– bandeja ou tina de revelação
– água corrente
– becker pequeno ou medidor (se for de plástico o uso deverá ser para este fim exclusivamente)
– recipiente para a solução com tampa (eu gosto de porcelana ou cerâmica, mas pode ser de qualquer material impermeável)
– prensa com vidro
– luvas de borracha e avental
Preparo do ambiente
Você vai precisar de uma sala semi-escura, não é necessário que seja totalmente escura nem que se use lâmpadas de laboratório P&B (as vermelhas, sabe?). O ambiente ideal é uma penúmbra. Pode usar lâmpada fraquinha indireta, preferencialmente de tungstênio (tom quente) porque elas emitem pouco U.V.
Forre a mesa ou bancada que você for usar.
Preparo da solução de trabalho
Misture em partes iguais as soluções A (citrato férrico amoniacal) e B (ferricianeto de potássio). As soluções de trabalho não podem ser guardadas porque elas perdem a sensibilidade com o tempo, então procure preparar em pequenas quantidades, espere acabar para preparar mais.
A escolha do suporte
A qualidade do suporte terá um papel fundamental na preservação do seu cianótipo – prefira materiais neutros.
Ao escolher considere que: o papel de algodão não encolado (mata-borrão) e os tecidos por serem muito absorventes irão consumir maior quantidade de químico. Porém ambos podem trazer ótimos resultados.
O papel costuma ser a primeira escolha – prefira papeis que aguentem banhos de água como de aquarela, gravura, papel japonês, papel de algodão.
O tecido costuma funcionar muito bem também – escolha tecidos de fibra natural como algodão e linho, os sintéticos costumam ser muito impermeáveis e não vão absorver a solução.
A madeira é um suporte que também pode funcionar bem. É preciso considerar que durante o processamento ela irá encharcar e isso pode causar deformações, rachaduras, bolor. É importante preparar a superfície lixando-a e limpando-a com escova e um pano seco.
Sensibilizando
No ambiente escuro e com luvas aplique a solução preparada sobre o papel, não exagere, uma camada fina e uniforme funcionará melhor do que o excesso.
Pendure para secar ou use um secador de cabelo.
O secador deve ser usado com cuidado, use no modo frio e comece com utilizando-o a distância para não provocar o escorrimento de químico sobre o papel – isso poderá causar manchas. Quando estiver quase seco você pode usar o secador quente desde que com distância do papel.
Para saber se está totalmente seco evite tocar, perceba se a superfície está mais opaca, se o papel está mais rígido – possivelmente terá deformações por conta da secagem. Caso você precise tocar para ter certeza, use as costas da mão, se sentir frio provavelmente ainda está levemente úmido – termine usando o secador quente – e lave as mãos. Para a etapa seguinte o papel deverá estar totalmente seco.
Prensa de vidro
Para isso é comum o uso de uma prensa feito com uma base lisa e firme, uma espuma e um vidro, tudo no mesmo tamanho, e para fechar pode se utilizar prendedores de papel grandes (tipo borboleta). Tudo isso pode ser mais improvisado ou mais profissional.
Exposição
Para expor o cianótipo você tem duas opções: utilizar lâmpadas UV ou o sol. Ambas tem vantagens e desvantagens e os resultados serão diferentes.
Para mais informações sobre os métodos de exposição e para ver modelos de caixas de luz U.V. veja esse post.
Caixa de luz: demanda um investimento de tempo e dinheiro na sua construção, mas pode ser interessante para poder trabalhar a noite ou em dias nublados. Também pode garantir um padrão de exposição, interessante talvez para a produção de uma tiragem. Aqui tem mais sobre caixas de luz.
Sol: a maior limitação é a necessidade de que a exposição a luz solar dependa do sol direto na sua maior intensidade e o fato de não haver controle sobre a quantidade de luz que e a forma que ela é recebida. Como maior vantagem eu diria que é o fato de ela permitir uma gama tonal maior, o que pode gerar imagens de “maior qualidade fotográfica”.
O tempo de exposição pode variar muito, minha sugestão no sol é de 10 minutos – faça um teste com um pedaço pequeno de papel antes de gastar uma folha inteira.
Processamento
Após a exposição é feita o processamento do cianótipo. Essa etapa não é chamada de revelação por ser um processo direto, a imagem se forma enquanto é exposta.
O que ocorre nesse momento é a remoção de toda a química que não reagiu, é portanto a fixação e a lavagem.
O momento da primeira imersão na água deverá ser feito de forma mais uniforme possível para que não ocorram manchas.
E a água da bandeja deverá ser constantemente trocada – você vai notar que ela começa esverdeada ou azulada e vai ficando cada vez mais clara. Você pode agitar a bandeja enquanto vai trocando a água mas evite jatos fortes sobre a imagem.
Quando a água estiver totalmente translúcida deixe o seu cianótipo imerso por no mínimo mais 5 minutos, sem agitação.
O tempo total pode variar, caso você deixe muito tempo na água ira notar um rebaixamento tonal na imagem – pode ser útil se sua imagem estiver super exposta.
Secagem
Após o processamento pendure num varal para secar. Você pode retirar quando ainda estiver levemente úmido e terminar a secagem numa prensa com papel seda e mata-borrão para que o cianótipo seque de forma plana.
Dicas de conservação
A imagem em cianótipo é muito estável, porém ela pode ser degradada quando exposta a um meio alcalino (carbonato de cálcio) ou pela degradação do próprio papel, por isso dê preferência a papeis de qualidade.
O azul do cianótipo esmaece quando exposto constantemente à luz. Porém é o único processo fotográfico cuja a densidade da imagem é consideravelmente recuperada quando colocada no escuro.
E como qualquer fotografia, prefira ambientes de temperaturas baixas e secos, e acondicionamentos neutros e inertes.
Aqui você pode ver uma galeria com meus trabalhos em cianotipia.
E aqui você me escreve pra solicitar um kit.
Para ler mais sobre processos fotográficos do século XIX:
JAMES, Christopher. The Book of Alternative Processes. New York: Harry N. Abrams inc., 2002.
William Crawford, The Keepers of Light — A History & Working Guide to Early Photographic Processes, Morgan & Morgan, New York, 1979.
MONFORTE, Luiz Guimarães. Fotografia pensante. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 1997.
Faltaram algumas informações que preciso saber:
1. Como criar o negativo? Usa uma folha de acetato? Qual gramatura?
2. Se eu utilizar uma foto peço na copiadora para copiar de forma invertida?
3. Qual o lado da folha de acetato deve ser usado sobre a solução aplicada no papel?
4. Esse negativo pode ser repetido quantas vezes?
5. No caso de uma camisa qual material eu uso internamente para não passar a tinta? Vidro? Pode ser?
6. Esse material químico é adequado para pintar uma camiseta? Tenho interesse em estampar algumas fotos e desenhos.
7. Após exposição ao Sol como faço a lavagem da camiseta sem borrar outros espaços da mesma?
Oi Paulo, agradeço as sugestões para uma possível continuidade deste manual.
Várias dessas questões mereceriam pesquisas e aprofundamentos que não acho que cabem aqui, porque a proposta é que seja um primeiro auxílio para quem queira experimentar a cianotipia.
Os negativos podem ser criados com diferentes transparências e com processos de impressão analógica ou digital (filmes gráficos, fotográficos, acetatos etc).
E dependendo do material do negativo, caso bem utilizado e conservado poderá ser incontáveis vezes!
É recomendável utilizar o negativo com a imagem impressa virada para baixo, em contato com o material sensibilizado para maior chance de foco e nitidez na impressão.
Eu não tenho conhecimento sobre a utilização de cianotipias em roupas, acho que vale uma pesquisa sobre isso. Acredito que será necessário algum tipo de recomendação específica para a lavagem para que não desbote ou altere a cor. E é preciso verificar também se o contato prolongado com a pele pode ser danoso.
Bom trabalho e caso tenha alguma fonte sobre essas questões, por favor compartilhe!
Ótimo trabalho!
Após perder muito tempo na internet encontrei esse blog
que tinha o que tanto procurava.
Parabéns pelo texto e conteúdo, temos que ter mais
artigos deste tipo na internet.
Gostei muito.
Meu muito obrigado!!!
Muito obrigada, Marcos! Fico contente que tenha gostado!
Onde encontrar esses químicos? Não queria comprar a solução pronta e sim, preparar a minha própria. Mas não encontro o citrato férrico amoniacal verde em lugar algum
Oi Julia! Realmente tem sido difícil encontrar o citrato férrico amoniacal verde. Tenho utilizado o marrom, na mesma receita que indico no post.
Olá Carol, tudo bem? Obrigada por disponibilizar esse conteúdo Mara! Sobre o citrato, o que diferencia o marrom é o verde?
Olá bom dia! Primeiro parabéns pelo post. Muito bem trabalhado. Uma questão: acredita que seja possível trabalhar com esta folha como fotografias em pinholes? Ou é necessário encobrir totalmente a região para que fique gravado?
Oi Mateus, n˜ão sei se entendi a sua pergunta. Mas se você quer saber se é possível fazer um cianótipo dentro de uma pinhole, n˜ão tenho certeza. É bastante difícil produzir cianótipos a partir de imagem projetada por ser um processo pouco sensível e talvez a luz seja insuficiente ou demande longos tempos de exposição. Por isso normalmente são feitos por contato. Mas talvez seja possível! Se fizer testes por favor compartilhe a sua experiência, eu adoraria saber!
Lembrando Lourdes de Castro, procurei por aqui como fazer pois esqueci o que fiz há muitos anos atrás. Fiquei feliz quando encontrei o seu blog.
Na impossibilidade de comprar o seu kit pois vivo em Lisboa e como não encontro os produtos nas lojas de material de Belas Artes, poderia indicar-me em que tipo de lojas conseguiu os produtos?
Um obrigada pelo que relembrei.
Olá Gabriela.
Também sou de Lisboa
Podem encontrar os produtos já prontos para diluir no site de MARIA AZUL.
Bom trabalho
Boa tarde Carol. Primeiramente quero agradecer pelo compartilhamento desse conhecimento. Estou com algumas dificuldades e gostaria de saber se vc consegue me ajudar:
1 – Você sabe me dizer se a sensibilização em papel kraft acontece de alguma forma diferente? Não estou tendo sucesso aqui em casa.
2 – tentei sensibilizar papel aquarela e tecido, porém, mesmo seguindo todos os passos e cuidados, fica muito escuro de´pois de seco.
Boa tarde! Adorei vê essa técnica. Mas gostaria de saber onde comprar os produtos. E obrigada! Por compartilhar o seu conhecimento!!
Oi Estela! No momento não estou produzindo os kits com as soluções de cianotipia. Mas você encontra outros fornecedores no mercado livre, por exemplo. Não cheguei a testar outros fornecedores, mas imagino que tenha gente vendendo produtos de qualidade.
Se você quiser preparar as soluções você pode comprar o citrato, o ferricianeto e a água destilada em lojas de químicos e materiais de laboratório – existem lojas online que entregam via correios. O problema é que normalmente vendem em quantidade mínima de 250g ou 500g.
Obrigado pelas informações!
Gostaria de perguntar se pode recomendar algum lugar para comprar os químicos?
Obrigado!
RVMoraes
Ola! Adorei as suas dicas. Preciosas! Queria saber se voce sabe como fazer cyanotipia preta, Eu comprei a mistura ja pronta nos Estados Unidos mas gostaria de produzir eu mesma com os quimicos. obrigada!
Inez